quarta-feira, 2 de abril de 2014

Povos do mar e dos sertões entre os mais afetados por mudança no clima

Barrinha
Barreiras, em Icapuí, é uma das áreas já afetadas pelo avanço do mar FOTO: KID JUNIOR

Não é mais uma possibilidade, são dadas como certas diversas alterações na Terra causadas pelas mudanças climáticas até o fim deste século. E os mais pobres serão (e continuam) os mais afetados. Foi divulgado no início desta semana a segunda parte do 5º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), "um dos mais completos da história", segundo o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, Michel Jarraud. Povos do mar e do sertão, já afetados por cheias e inundações, vão sofrer muito mais do mesmo.
A tendência é que os "desastres naturais" tornem-se ainda mais trágicos. Diante das poucas ações políticas feitas diante do problema colocado em 2007 (ano do primeiro relatório do IPCC), em boa parte pela falta de acordo global para combater os males das alterações climáticas, o novo relatório saiu em tom de apelo, diante da urgência na busca por soluções.
Estudo amplo
Até pouco tempo, os relatórios do IPCC eram tratados como o "que devemos começar a fazer para que não aconteça o pior", seguido de conselhos sobre redução da poluição atmosférica e do uso racional da água. Mas a consolidação dos dados, baseada em mais de 12 mil estudos científicos envolvendo 259 pesquisadores-autores de várias partes do mundo (incluindo o Brasil), acende ainda mais a luz de alerta já acesa há algum tempo: as mudanças climáticas já estão alterando a dinâmica da Terra, com acessos de chuvas torrenciais e de secas prolongadas. No meio de tudo isso, aumento de movimentos migratórios e escassez de alimentos.
Por tradição histórica, o Nordeste brasileiro acompanha períodos de seca prolongada. Nem por isso deixou de ser um problema para quem nele vive ou depende diretamente. De acordo com o pesquisador do Centro de Ciências do Sistema Terrestre, José Marrengo, nos próximos 86 anos, as chuvas no Nordeste vão reduzir em mais 22%. Marrengo, vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é um dos autores brasileiros que participaram do IPCC.
O aumento da temperatura média no mundo vai tornar ainda mais intensos os efeitos da estiagem. Na região Sudeste, a seca está afetando milhões de pessoas que estavam acostumadas a ver o chão rachado e ressequido em reservatórios do Nordeste, não no meio da Grande São Paulo, por exemplo. A falta de água, portanto, tem exigido técnicas mais racionais e sustentáveis de consumo, seja para o abastecimento humano direto ou na agricultura.
Modelos insustentáveis
Diversos grupos econômicos - da indústria à agricultura irrigada - reclamam de perdas de produção com a escassez dos recursos hídricos, mas os sistemas de irrigação mais utilizados ainda são os que mais geram perdas de água, como é o caso da irrigação por pivôs centrais.
De acordo com esse mais recente capítulo do relatório, as altas temperaturas em regiões semiáridas tenderão a causar maiores perdas para agricultores, notadamente aos que têm menor acesso aos recursos hídricos, portanto, os mais pobres. O aumento do nível do mar também poderá gerar interrupção dos meios de subsistência e o deslocamento forçado dos povos. Uma das propostas de solução apontadas pelo relatório é a prevenção do assentamento de pessoas em lugares expostos a condições climáticas extremas. Outras recomendações são a redução do desperdício de água e a construção de parques arborizados para aliviar o calor em grandes cidades.
Um dos maiores questionamentos feitos com a admissão de mudanças na temperatura da Terra é: o quanto a humanidade tem culpa? Não seriam, as alterações, um ciclo natural? Não e sim, mas principalmente não, de acordo com o IPCC. "95% das mudanças se devem à ação humana", afirma Michel Jarraud.
Responsabilidade humana
O PhD em Ciências Atmosféricas e professor titular da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Alexandre Costa, faz uma ilustração que confirma o IPCC. "A atividade solar varia, com oscilações periódicas de 11 anos e pequenas flutuações em escala de tempo maior, mas a estimativa é de que o sol contribui com 0,05 watts por metro quadrado para aquecer o Planeta de 1750 para cá, enquanto a contribuição do homem chega a 2,29 watts por metro quadrado", afirma.
Para Alexandre, as alterações atingem mais incisivamente as populações em maior vulnerabilidade. "Quem já passa fome ou sofre com desabastecimento de água nas condições do clima atual, tenderá a sofrer mais ainda com as secas mais frequentes. "Uma sociedade menos desigual não exporia e deixaria as pessoas tão vulneráveis às mudanças climáticas". E, no meio disso, outros impactos: elevação do risco de extinção de espécies e aumento de espécies invasoras; intensas perdas na produção pesqueira; e inundações nas zonas costeiras.
O novo relatório ponderou em relação à Amazônia, reduzindo a ameaça de savanização devido ao aumento da temperatura - ainda assim, uma elevação entre 2ºC e 4ºC até 2100 ainda preocupa a situação do bioma.
Em 2015, uma nova Conferência do Clima será realizada reunindo as nações para que, ao contrário da conferência anterior, cheguem a um consenso para que assinem um tratado nos moldes do Protocolo de Kyoto, criado em 1997 com a missão de reduzir os gases do efeito estufa.
Melquíades Júnior
Repórter.
Fonte: Diário do Nordeste

Nenhum comentário:

Postar um comentário