quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Destino de mensaleiros começa a ser escrito nesta quinta-feira


Brasília vivencia a partir de hoje um dos principais momentos da história republicana no país: o julgamento de acusados de participar do maior escândalo político do governo Lula


Publicação: 02/08/2012 07:22 Atualização: 02/08/2012 09:47

A partir das 14h desta quinta-feira (2/8), um julgamento irá marcar para sempre a história do país. Quando o ministro Joaquim Barbosa ler as primeiras palavras do relatório da ação penal nº 470, mais conhecida como mensalão, uma sentença começará a tomar forma e deverá atingir 38 pessoas, acusadas de sete crimes investigados: lavagem de dinheiro, corrupções ativa e passiva, formação de quadrilha, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta. O evento, porém, irá repercutir diretamente na política e no cidadão brasileiro. Influenciará nas eleições, nas relações partidárias e, espera-se, na própria forma de autoridades, parlamentares e empresários tratarem o dinheiro público. Respeito é o que se deseja.



 Brasília será uma observadora privilegiada do julgamento, previsto para durar pelo menos um mês. A rotina da capital neste período irá mudar, com as atenções voltadas para o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). A cidade feita para abrigar o centro do poder político irá vivenciar cada momento do destino dos acusados e o próprio destino de um país, onde supostos atos criminosos são julgados, mesmo que depois de sete anos. “O que se vai examinar é se certas práticas políticas ainda têm lugar no nosso país”, disse o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

Com chances de escapar da punição

O julgamento do chamado processo do mensalão começa com muitas questões a serem analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em mais de 50 mil páginas. Não está em jogo apenas a culpa ou inocência de 38 réus. A aplicação da pena mínima para crimes como corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato e evasão de divisas pode livrar da cadeia quem for condenado. Entre os que a respondem à denúncia a ser defendida hoje em plenário pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, há pelo menos três acusados com chance de escapar de punição mesmo na circunstância de um veredicto contrário. Graças à prescrição. É o caso justamente dos políticos que integrariam o núcleo central do suposto esquema: José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.

Na acusação, durante cinco horas, Gurgel vai sustentar que os três petistas foram responsáveis pela organização da quadrilha que se uniu para desviar recursos públicos, lavar dinheiro sujo e distribuir mesada entre parlamentares e presidentes de partidos em troca de apoio ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso. Dirceu seria o chefe do esquema. O ex-ministro chefe da Casa Civil, o ex-presidente nacional do PT e o ex-tesoureiro do partido, no entanto, estão bem distantes de cumprir uma pena na penitenciária da Papuda. Eles respondem a crimes por formação de quadrilha e corrupção ativa, com penas respectivas de um a três anos, e dois a 12 anos de reclusão. Buscam a absolvição por falta de provas, mas, na eventualidade de uma condenação, poderão ter extinta a punibilidade caso a maioria dos ministros considerem favoráveis os antecedentes e a conduta social dos réus.

Barbosa (em pé), relator da ação penal nº 470, o nome formal dado ao mensalão na Justiça: julgamento do processo no Supremo deve durar pelo menos um mês (Breno Fortes/CB/D.A Press)
Barbosa (em pé), relator da ação penal nº 470, o nome formal dado ao mensalão na Justiça: julgamento do processo no Supremo deve durar pelo menos um mês

Neste caso, uma pena mínima, de dois anos, para cada um dos crimes perderia o efeito após o trânsito em julgado do processo. É a chamada prescrição em concreta ou retroativa, considerada após o encerramento da causa, encerrada a análise dos eventuais recursos. O quarto suposto integrante do núcleo duro do mensalão, o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, denunciado por formação de quadrilha, já resolveu suas pendências com a Justiça, ao aceitar um acordo com o Ministério Público Federal para prestação de 750 horas de serviços comunitários na subprefeitura do Butantã, em São Paulo. Teve, assim, o processo suspenso.

Fixação de pena

Na avaliação de integrantes do Ministério Público, a chance de a pena mínima ser aplicada é pequena, uma vez que as circunstâncias judiciais precisam ser avaliadas no momento da fixação da pena. Pesaria contra, por exemplo, a repercussão dos crimes e suas consequências. Mas o tema pode despertar debates acalorados no plenário. Como em todos os pontos a serem decididos, a dosimetria da pena também precisará ser aprovada pela maioria da corte. Cada detalhe sobre a extensão de condenações deverá provocar discussões.

Uma eventual absolvição ou prescrição poderá também garantir a Dirceu, Genoino e Delúbio o direito à elegibilidade. Para os dois últimos, seria uma possibilidade real já em 2014. O ex-chefe da Casa Civil, que teve o mandato cassado na Câmara dos Deputados em 2006, está ainda sem condições de concorrer nas próximas eleições. Mas um cenário favorável, com a punibilidade extinta, abriria uma chance de Dirceu voltar ao Congresso no pleito de 2018. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem precedentes nesse sentido. A prescrição suspende também as consequências eleitorais de inelegibilidade, previstas na Lei da Ficha Limpa. Assim foi o julgamento, por exemplo, de um recurso, relatado pela ministra Cármen Lúcia, em favor do ex-deputado distrital Benício Tavares (PMDB).

Regime aberto

O suposto núcleo central do mensalão também pode ser beneficiado com uma eventual condenação inferior a quatro anos de prisão. Nesta hipótese, o regime a ser cumprido é aberto e há até mesmo a possibilidade de converter a pena em prestação de serviços à comunidade. “Num processo como esse, acredito que o máximo que pode ocorrer é os réus cumprirem regime semiaberto, de dia em liberdade e apenas repousar no presídio, caso haja penas inferiores a oito anos, de acordo com o que estabelece a lei”, analisa em tese, sem se ater ao mérito do processo, o desembargador Roberval Belinati, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e professor de direito penal.

Entre os 38 réus, a situação é mais complicada para os chamados operadores ou integrantes do núcleo financeiro, especialmente para o empresário Marcos Valério, apontado como o mentor do suposto esquema. Ele responde pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Entre os políticos que receberam dinheiro, acusados de corrupção passiva e peculato, o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP) tem uma perspectiva menos favorável que a de outros colegas de partido.

Denunciado também por lavagem de dinheiro, João Paulo dificilmente conseguirá a prescrição, uma vez que a pena inicial para esse crime é de três anos. Dessa forma, o prazo para extinção da punibilidade é de oito anos. Boa perspectiva tem o ex-secretário de Comunicação do governo Lula, Luiz Gushiken. Roberto Gurgel pediu a absolvição do petista do crime de peculato por falta de provas.

"Num processo como esse, acredito que o máximo que pode ocorrer é os réus cumprirem regime semiaberto, de dia em liberdade e apenas repousar no presídio"
Roberval Belinati, desembargador

Nova tentativa de desmembramento

O advogado Márcio Thomaz Bastos, que representa o ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, vai pedir hoje, na abertura do julgamento do mensalão, o desmembramento do processo. O objetivo é tentar, mais uma vez, que os casos dos réus sem foro privilegiado sejam remetidos à primeira instância. Em tentativas anteriores, o STF já havia rejeitado esses pedidos. O principal argumento para manter todo o processo no Supremo é que as denúncias contra os acusados são muito interligadas e, portanto, seria impossível julgar a conduta de um réu sem envolvê-lo com outro acusado. Apenas três dos 38 réus têm foro privilegiado: os deputados federais Pedro Henry, Valdemar da Costa Neto e João Paulo Cunha. Para Thomaz Bastos, a medida não traria grandes prejuízos. “O pretendido desmembramento não anulará as provas já produzidas nos autos, de modo que haverá o aproveitamento de todos os atos processuais já realizados pelo juízo de primeira instância”, justificou o advogado, em nota.



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