Por Cássio Borges
O Projeto da Transposição de Águas do Rio São Francisco para a Região Setentrional do Nordeste Brasileiro obedeceu, pelo menos, a cinco fases distintas até a sua elaboração definitiva, além daquela que coube ao cearense Marcos Antônio de Macedo, em 1847, visando perenizar o Rio Jaguaribe. Na década de 60, havia uma voz isolada do então deputado estadual Wilson Roriz, do Crato. Ele defendia a construção de um túnel de 242 quilômetros de extensão saindo de Lagoa Grande, em Pernambuco, até atingir Farias Brito, no Estado do Ceará. Segundo parecer do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), as tecnologias existentes à época inviabilizaram esta solução.
A segunda fase foi quando o DNOCS, na década de 70, promoveu dois seminários para discutir a questão dos recursos hídricos da região nordestina, nos quais um dos temas centrais daqueles encontros foi a viabilidade técnica, econômica, social e ambiental daquele projeto. Nesses dois eventos, a ideia de trazer água do Rio Tocantins também foi vista como uma alternativa. Naquela época, não se levava em consideração a possibilidade da utilização da energia ociosa (offpeak) da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), que somente passou a ser considerada a partir de um trabalho de minha autoria publicado no Boletim Técnico do DNOCS (Fortaleza, 39(2):127 a 144, jul/dez. 1981) sob o título “Subsídios aos Estudos e Transposição de Vazões dos Rio São Francisco e Tocantins para o Nordeste”.
No “Resumo” desse trabalho, assim me expressei para caracterizar o aproveitamento “offpeak” (horário de tarifas reduzidas das 20:00 horas de um dia, até às 7:00 horas do dia seguinte) da energia produzida pela Chesf para realizar o processo de bombeamento das águas da transposição: “Em fevereiro de 1978, o DNOCS, preocupado com o problema das secas no Nordeste e, sobremodo,sensível aos problemas da escassez de água, numa visão futura, resolveu trazer a lume o velho sonho da ligação das bacias hidrográficas nordestinas, já que as técnicas neste domínio tendem a receber novos impulsos”. Sobre essas inciativas do DNOCS, a Revista Interior do Minter –Ministério do Interior, ano IV, Nº 24, mai/jun de 1978, na seção Atualidades, assim se expressou:
“Uma antiga e promissora ideia, por muitos considerada utópica, volta a repercutir entre técnicos em hidrologia de todo o País: a da transferência de águas entre bacias hidrográficas vizinhas. A possibilidade foi novamente discutida durante o Seminário de Recursos Hídricos, promovido pelo DNOCS no início deste ano, e deverá ser efetuada em profundidade a partir de 1979”.
“Uma antiga e promissora ideia, por muitos considerada utópica, volta a repercutir entre técnicos em hidrologia de todo o País: a da transferência de águas entre bacias hidrográficas vizinhas. A possibilidade foi novamente discutida durante o Seminário de Recursos Hídricos, promovido pelo DNOCS no início deste ano, e deverá ser efetuada em profundidade a partir de 1979”.
A terceira fase da história desse importante empreendimento foi por iniciativa do Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), que, em 13 de janeiro de 1981, lançou os Editais de Concorrência para a realização dos “Estudos de Pré-Viabilidade para a Transposição de Águas dos Rios São Francisco e Tocantins para a Região Semiárida do Nordeste”. Segundo os termos de referência dessa licitação, a vazão a ser transposta do Rio São Francisco era da ordem de 800 m3/s durante os quatro meses de enchentes normais desse rio, retiradas do Reservatório de Sobradinho, o que daria um volume global anual de 8,294 bilhões de m3/ ano. Posteriormente, o DNOS resolveu reduzir a vazão a ser transposta para 280 m3/s, valor este que ficou na pauta das (acirradas) discussões no período de 1983 a dezembro de 1994. Portanto, durante quase dez anos, a única crítica que os estudiosos faziam ao mesmo era quanto à exagerada vazão de 280 m3/s que seria desviada do Rio São Francisco.
A quarte fase da história desse projeto ocorreu no segundo semestre de 1994. Na sede do DNOCS, em Fortaleza, durante quatro meses, segundo foi divulgado, foi elaborado um novo “Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco”, o qual consta de 228 volumes, sendo uma das principais alterações do projeto original do DNOS a redução da vazão de 280 m3/s para 150 m3/s.Também foi eliminada a construção do Açude Aurora, que barraria o Rio Salgado, afluente principal do Rio Jaguaribe por sua margem direita, o qual teria uma acumulação de 800 milhões de m3. O Açude Castanhão (6,7 bilhões de m3) foi indicado como uma opção ao Açude Aurora, previsto pelo DNOS em substituição ao Açude Castanheiro (2 bilhões de m3), em Lavras da Mangabeira.
Em todas essas discussões, eu era uma voz isolada que defendia a adução do Rio São Francisco de uma vazão de apenas 70 m3/s, que eu dizia nos meus artigos e no livro que escrevi “ser equivalente à vazão regularizada de cinco açudes do porte do Açude Orós”. O tempo, o Senhor da Razão, mostrou que eu estava correto, conforme o leitor verá na sequência da leitura desta história.
A quinta fase da etapa evolutiva da elaboração definitiva do Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco surgiu no primeiro mandato do Presidente Lula da Silva, tendo como Ministro da Integração Nacional o ex-governador do Estado do Ceará, Ciro Ferreira Gomes, que, brilhantemente, defendeu esse projeto e enfrentou, de frente, o forte “lobby” liderado pelo Governador de Sergipe, João Alves, e pelo Senador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, que se opunham, de forma deliberada, à construção desse empreendimento, não lhes faltando os mais descabidos argumentos para justificar, perante a opinião pública, os seus posicionamentos. Graças ao seu extraordinário poder de argumentação, conhecimentos técnicos, sociais e ecológicos de nossa Região, aí incluindo o próprio Vale do Rio São Francisco, o ex-ministro Ciro Gomesconseguiu os louros de uma vitória consagradora a nível nacional, que ficou bem caracterizado no debate, que durou quatro horas e meia, promovido pelo Conselho na Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília, no dia 2 de maio de 2005. Diga-se de passagem, o auditório da OAB estava lotado de opositores a esse projeto, sendo o ex-ministro, corajosamente, o único presente defensor do mesmo.
No novo projeto concebido pelo Ministério da Integração Nacional, tendo à frente o ex-ministro Ciro Gomes, o referido empreendimento passou a ter dois eixos: o Eixo Norte e o Eixo Leste, este indo até a promissora cidade de Campina Grande, no Estado da Paraíba. Além desta alteração, na concepção do novo projeto a vazão de transposição passou a ser de apenas 26,00 m3/s com a possibilidade de ser aumentada para 127,00 m3/s, quando o “Reservatório de Sobradinho estiver cheio”. O novo projeto passou a ser denominado de Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional, não se descuidando o ex-ministro de também elaborar um projeto de revitalização da bacia do Rio São Francisco.
Nota do Blog
Antes de publicarmos este interessante depoimento do engenheiro Cássio Borges, pedimos a ele nos dar uma justificativa para o fato de este projeto da Transposição do Rio São Francisco inicialmente ter uma vazão de 800 m3/s,mas em sua versão final ser projetado para ter apenas 26,00 m3/s “com a possiblidade de ser retirada do Rio São Francisco até um máximo de 127,00 m3/s”. O referido técnico, que é especializado em recursos hídricos pelo Curso de Obras Hidráulicas da Escola Nacional de Engenharia e da Pontifícia Universidade Católica-PUC, ambas do Rio de Janeiro, nos disse que o problema é que os técnicos que lidam com esta questão da água em nossa Região e os dirigentes dos órgãos públicos responsáveis geralmente não têm a formação hidrológica suficiente para lidar com tema desta natureza. E acrescentou: poderemos ter um projeto de irrigação de um determinado açude cuja disponibilidade hídrica seja para 2.000 hectares, mas, por falta de suficiente conhecimento hidrológico dos seus projetistas, foi elaborado para 8.000 hectares. Acredite se quiser. Outro exemplo: um determinado canal pode ter sido projetado para transportar 26 m3/s quando o açude que lhe dá suporte só tem disponibilidade hídrica para, no máximo, 12 m3/s. No caso do Projeto de Integração do Rio São Francisco, o ex-ministro Ciro Gomes, diplomaticamente, para agradar a gregos e a troianos, deu uma solução salomônica para os inflamados e exacerbados debates : ele, que não é especializado em recursos hídricos, reduziu a vazão para 26,00 m3/s e, assim, atendeu aos opositores do projeto, ou, pelo menos, reduziu, substancialmente, a rejeição ao mesmo e decidiu pela construção de um canal para transportar 127,00 m3/s, “quando o Reservatório de Sobradinho estiver cheio”, que, de certa forma, também agradou àqueles que têm uma visão menos conservadora e mais temerária para a solução das questões hídricas de nossa Região. Esta foi a explicação que ouvimos do referido técnico.
Nota do Blog
Antes de publicarmos este interessante depoimento do engenheiro Cássio Borges, pedimos a ele nos dar uma justificativa para o fato de este projeto da Transposição do Rio São Francisco inicialmente ter uma vazão de 800 m3/s,mas em sua versão final ser projetado para ter apenas 26,00 m3/s “com a possiblidade de ser retirada do Rio São Francisco até um máximo de 127,00 m3/s”. O referido técnico, que é especializado em recursos hídricos pelo Curso de Obras Hidráulicas da Escola Nacional de Engenharia e da Pontifícia Universidade Católica-PUC, ambas do Rio de Janeiro, nos disse que o problema é que os técnicos que lidam com esta questão da água em nossa Região e os dirigentes dos órgãos públicos responsáveis geralmente não têm a formação hidrológica suficiente para lidar com tema desta natureza. E acrescentou: poderemos ter um projeto de irrigação de um determinado açude cuja disponibilidade hídrica seja para 2.000 hectares, mas, por falta de suficiente conhecimento hidrológico dos seus projetistas, foi elaborado para 8.000 hectares. Acredite se quiser. Outro exemplo: um determinado canal pode ter sido projetado para transportar 26 m3/s quando o açude que lhe dá suporte só tem disponibilidade hídrica para, no máximo, 12 m3/s. No caso do Projeto de Integração do Rio São Francisco, o ex-ministro Ciro Gomes, diplomaticamente, para agradar a gregos e a troianos, deu uma solução salomônica para os inflamados e exacerbados debates : ele, que não é especializado em recursos hídricos, reduziu a vazão para 26,00 m3/s e, assim, atendeu aos opositores do projeto, ou, pelo menos, reduziu, substancialmente, a rejeição ao mesmo e decidiu pela construção de um canal para transportar 127,00 m3/s, “quando o Reservatório de Sobradinho estiver cheio”, que, de certa forma, também agradou àqueles que têm uma visão menos conservadora e mais temerária para a solução das questões hídricas de nossa Região. Esta foi a explicação que ouvimos do referido técnico.
Fonte: do Roberto Moreira/DN
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