Não é mais uma possibilidade, são dadas como certas diversas alterações
na Terra causadas pelas mudanças climáticas até o fim deste século. E
os mais pobres serão (e continuam) os mais afetados. Foi divulgado no
início desta semana a segunda parte do 5º relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), "um dos mais
completos da história", segundo o secretário-geral da Organização
Meteorológica Mundial, Michel Jarraud. Povos do mar e do sertão, já
afetados por cheias e inundações, vão sofrer muito mais do mesmo.
A tendência é que os "desastres naturais" tornem-se ainda mais
trágicos. Diante das poucas ações políticas feitas diante do problema
colocado em 2007 (ano do primeiro relatório do IPCC), em boa parte pela
falta de acordo global para combater os males das alterações climáticas,
o novo relatório saiu em tom de apelo, diante da urgência na busca por
soluções.
Estudo amplo
Até pouco tempo, os relatórios do IPCC eram tratados como o "que
devemos começar a fazer para que não aconteça o pior", seguido de
conselhos sobre redução da poluição atmosférica e do uso racional da
água. Mas a consolidação dos dados, baseada em mais de 12 mil estudos
científicos envolvendo 259 pesquisadores-autores de várias partes do
mundo (incluindo o Brasil), acende ainda mais a luz de alerta já acesa
há algum tempo: as mudanças climáticas já estão alterando a dinâmica da
Terra, com acessos de chuvas torrenciais e de secas prolongadas. No meio
de tudo isso, aumento de movimentos migratórios e escassez de
alimentos.
Por tradição histórica, o Nordeste brasileiro acompanha períodos de
seca prolongada. Nem por isso deixou de ser um problema para quem nele
vive ou depende diretamente. De acordo com o pesquisador do Centro de
Ciências do Sistema Terrestre, José Marrengo, nos próximos 86 anos, as
chuvas no Nordeste vão reduzir em mais 22%. Marrengo, vinculado ao
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é um dos autores
brasileiros que participaram do IPCC.
O aumento da temperatura média no mundo vai tornar ainda mais intensos
os efeitos da estiagem. Na região Sudeste, a seca está afetando milhões
de pessoas que estavam acostumadas a ver o chão rachado e ressequido em
reservatórios do Nordeste, não no meio da Grande São Paulo, por exemplo.
A falta de água, portanto, tem exigido técnicas mais racionais e
sustentáveis de consumo, seja para o abastecimento humano direto ou na
agricultura.
Modelos insustentáveis
Diversos grupos econômicos - da indústria à agricultura irrigada -
reclamam de perdas de produção com a escassez dos recursos hídricos, mas
os sistemas de irrigação mais utilizados ainda são os que mais geram
perdas de água, como é o caso da irrigação por pivôs centrais.
De acordo com esse mais recente capítulo do relatório, as altas
temperaturas em regiões semiáridas tenderão a causar maiores perdas para
agricultores, notadamente aos que têm menor acesso aos recursos
hídricos, portanto, os mais pobres. O aumento do nível do mar também
poderá gerar interrupção dos meios de subsistência e o deslocamento
forçado dos povos. Uma das propostas de solução apontadas pelo relatório
é a prevenção do assentamento de pessoas em lugares expostos a
condições climáticas extremas. Outras recomendações são a redução do
desperdício de água e a construção de parques arborizados para aliviar o
calor em grandes cidades.
Um dos maiores questionamentos feitos com a admissão de mudanças na
temperatura da Terra é: o quanto a humanidade tem culpa? Não seriam, as
alterações, um ciclo natural? Não e sim, mas principalmente não, de
acordo com o IPCC. "95% das mudanças se devem à ação humana", afirma
Michel Jarraud.
Responsabilidade humana
O PhD em Ciências Atmosféricas e professor titular da Universidade
Estadual do Ceará (Uece), Alexandre Costa, faz uma ilustração que
confirma o IPCC. "A atividade solar varia, com oscilações periódicas de
11 anos e pequenas flutuações em escala de tempo maior, mas a estimativa
é de que o sol contribui com 0,05 watts por metro quadrado para aquecer
o Planeta de 1750 para cá, enquanto a contribuição do homem chega a
2,29 watts por metro quadrado", afirma.
Para Alexandre, as alterações atingem mais incisivamente as populações
em maior vulnerabilidade. "Quem já passa fome ou sofre com
desabastecimento de água nas condições do clima atual, tenderá a sofrer
mais ainda com as secas mais frequentes. "Uma sociedade menos desigual
não exporia e deixaria as pessoas tão vulneráveis às mudanças
climáticas". E, no meio disso, outros impactos: elevação do risco de
extinção de espécies e aumento de espécies invasoras; intensas perdas na
produção pesqueira; e inundações nas zonas costeiras.
O novo relatório ponderou em relação à Amazônia, reduzindo a ameaça de
savanização devido ao aumento da temperatura - ainda assim, uma elevação
entre 2ºC e 4ºC até 2100 ainda preocupa a situação do bioma.
Em 2015, uma nova Conferência do Clima será realizada reunindo as
nações para que, ao contrário da conferência anterior, cheguem a um
consenso para que assinem um tratado nos moldes do Protocolo de Kyoto,
criado em 1997 com a missão de reduzir os gases do efeito estufa.
Melquíades Júnior
Repórter.
Fonte: Diário do Nordeste
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